segunda-feira, 3 de junho de 2013

A telespectadora


Acho que não sou a única que tem um fascínio estranho por desconhecidos. Aliás, tenho certeza de que não sou. Me pergunto quantas pessoas já me viram da janela do ônibus e pensaram na minha sapatilha vermelha, na minha presilha de borboleta e imaginaram que eu era uma aspirante a escritora frustrada, com uma máquina de escrever herdada da bisavó fofa, um gato gigante e laranja e um moletom cinza, cheio de pelo laranja. Parecia o tipo de história que eu faria pra alguém e alguém faria pra mim, mas não condiz com a realidade. Eu sou só a estagiária chata de um banco chato, que usa saia lápis ao invés de vestidinho florido e bebe café preto ao invés de chá Earl Grey. Mas hoje eu não sou a protagonista, nem você: são as pessoas da fila do banco.

Veja bem, algumas pessoas stalkeiam estranhos da janela do ônibus. Outras, enquanto caminham pela rua. Eu faço isso sentada na minha cadeira acolchoada, bebericando café num copinho de plástico quente e esticando o pescoço pra olhar além da minha baia. As pessoas são mais interessantes na fila do banco. Estão mais vulneráveis, mais cansadas, mais oprimidas pelo sistema, mais cheias de pressa pra assistir a novela. Ainda assim, eu procuro presenciar pequenos milagres em um dos lugares mais inóspitos, temidos, indesejados e detestados da Terra: a fila do banco.

Hoje o milagre foi seu e dela, rapaz. Ele tinha olheiras debaixo dos olhos e ela tinha bottons de Doctor Who na bolsa. Ele tinha uma gravata frouxa e suor na testa e ela tinha uma legging colorida e olhos verdes. Gosto desses casais improváveis. Eduardo e Mônica. Romeu e Julieta. O motoboy frustrado com a vida e a estudante de artes cheia de sonhos. Eles provavelmente nunca mais se veriam novamente, mas um dia, daqui a dois, três anos, iriam se encontrar novamente, cruzar olhares e se lembrar do que poderia ter sido. O que poderia ter sido se tivessem pego o telefone daquele estranho na fila do banco. 

Mas, infelizmente, hoje só tiveram "se". Um esbarrão, meia dúzia de palavras, dois sorrisos, três mentes cheias de ideias. A dele, a dela e a minha. Eu, a telespectadora tímida, com metade do rosto coberto pela baia. A intrometida naquela fofa história de amor na fila do banco. Querendo poder me levantar e riscar o "se" daquela história. Mas não existe "quando" nessas histórias de amor urbanas, muito menos na fila do banco. Só existe "se". E eu não vou ser a chata que vai perturbar a Ordem Natural das Coisas e transformar aqueles "se" em "quando". Eu sou só a estagiária chata, de saia lápis e café forte. 

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